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ASSERTIVIDADE

17.10.2023

A atividade física tem relação direta com a sobrevivência da espécie humana. Os exercícios físicos surgiram com a necessidade de sobreviver através da caça e das lutas. E à medida que aumentavam os grupos de seres humanos os confrontos também escalavam das lutas simples às grandes batalhas. Com isso, mais treinamento para sobrevivência e jogos que pudessem desenvolver ações coletivas coordenadas. São milhares de anos de existência com mudanças comportamentais quando houve revolução agrícola, industrial e alterações de modelo econômico que nos impede de fazer uma simetria dos jogos da era moderna com as batalhas campais do nosso passado ancestral. Entretanto é defundamental importância perceber e sobretudo tomar consciência de que a atividade física e os esportes são nossas plataformas de preservação para espécie humana.

Costumo ser repetitivo, quando participo de conversas sobre saúde e bem-estar, falando sobre os comportamentos patológicos e seus impactos nocivos. A modernização trouxe mudanças significativas nos hábitos comportamentais. Perdemos qualidade de sono, consumimos alimentos de péssima qualidade e diminuímos sensivelmente a atividade física no cotidiano. Os reflexos são o surgimento das doenças e, por conseqüência, também das causas de morte desenvolvidas ao longo de uma vida de hábitos nocivos à saúde. A nova “ameaça comportamental” está no uso do aparelho celular e seus aplicativos. A quantidade de informações oferecidas, a hiperestimulação pela luminosidade e o formato dos conteúdos cria picos de produção de dopamina difíceis de serem produzidos de outra maneira. O avanço tecnológico traz uma nova ameaça também para a nossa saúde mental.

Os estudos sobre história e antropologia trazem luz ao conhecimento de toda nossa linha de existência para compreender que tivemos mudanças radicais de comportamento em um período pequeno de tempo ao considerar uma faixa temporal de duzentos mil anos por exemplo. Os impactos na saúde física e mental acabam sendo normalizados por uma ciência médica que se preocupa na maioria das vezes em apenas tratar o efeito e não reflete e discute suas causas e origem. Contudo, é preciso refletir para resgatar os hábitos saudáveis perdidos.

Além disso, a educação também teve sua finalidade alterada com as mudanças de modelo e produção econômica. Educar que tem sua origem no latim, educare, educere significa “colocar para fora” que traz uma idéia e intenção de orientar e conduzir para ter liberdade e autonomia. Entretanto, a necessidade de produzir e acumular riqueza material e financeira orientou a educação a uma linha de condução da performance acadêmica, pouco preocupada com maturidade para construir o próprio conhecimento e viver em sociedade. Estamos criando crianças e jovens com muito conteúdo, mas pouquíssima capacidade de reflexão para correlacionar as matérias da escola com a vida cotidiana. O “saberfilosófico”, tão necessário e urgente nos tempos atuais, é fundamental para trazer autoconhecimento que liberte o ser humano dos desejos externos e oriente sua vida ao próprio interesse. Costumamos ouvir a expressão “os filhos são do mundo” como algo que tenta dizer que os pais não têm controle sobre a vida e o destino de seus filhos e com isso a educação tem a finalidade de preparar para fazer escolhas e assumir integralmente as conseqüências. Quando pensamos em conseqüência que cada decisão traz e na responsabilidade em aceitá-la a educação necessária para contribuir a esse preparo tem relação com o gerenciamento das emoções geradas e sentidas para não atrapalhar o discernimento na decisão a ser tomada. O melhor ambiente para desenvolver a maturidade na infância e juventude é o esporte, mas o controle emocional e todo o preparo para seu desenvolvimento é também feito no simples exercício de viver a vida.

Tenho acompanhado dezenas de crianças e adolescentes em formação esportiva. Percebo a dificuldade em ser assertivo durante os momentos críticos da competição. Não é um olhar preocupado com o resultado, mas sim uma perspectiva que considere a atitude diante dos desafios que surgem no cenárioesportivo. Fazer as melhores escolhas em meio ao caos de uma disputa exige controle emocional, mas principalmente coragem para assumir responsabilidade no momento do fracasso. A dificuldade em reconhecer a própria fragilidade cria comportamentos de fuga como evitar os problemas e transferir culpa para os companheiros e os outros agentes envolvidos na competição (adversários, arbitragem, infraestrutura e etc...). Além disso, com uma saúde mental fragilizada pelos novos comportamentos sociais, a dificuldade de atenção e cognição aumentou, criando maiores desafios para os técnicos no desenvolvimento esportivo e na aplicação dos recursos praticados em treinamento no momento dacompetição. Isso fica nítido e claro quando passei a perceber que a grande maioria das pausas para orientação técnica é para apenas lembrar o que foi treinado e proposto como plano tático do que apresentar uma nova solução. Enfrento minhas dificuldades também quando pratico atividade física e, sou grato a cada uma delas pelo aprendizado que recebo a cada sabor amargo de fracasso e derrota. Como educador físico ando destilando o sabor amargo das derrotas que compartilho com os futuros atletas dessa nova geração e, nos momentos solitários após cada competição, procuro refletir sobre um caminho que possa contribuir no amadurecimento desses jovens.

Gosto da expressão “a vida a cada respiração” que o Bushido traz como filosofia. Viver integralmente cada momento. Colocar corpo mente emoções em um único gesto. Sem qualquer distração. Com presença e atitude. Talvez seja  o exercício que deva ser feito de maneira complementar as atividades físicas também tão importantes. Dedicar-se a cada momento. Nas tarefas domésticas de casa, nas atividades da escola, durante as refeições, em cada respiração. Devemos orientar e incentivar a autonomia individual. Ensinar os filhos para serem independentes nos momentos cotidianos. Na hora do banho, durante as refeições, na organização da casa, no planejamento da vida pessoal, entendendo que a somatização das pequenas ações criarão uma grande transformação. Até mesmo porque, por mais necessário que o esporte possa ser ele não ocupa grande parte das horas que uma rotina semanalcarrega. Então, por esse motivo, é fundamental exercitar a emancipação emocional nos outros aspectos da vida para desenvolver segurança e, por conseqüência, assertividade na competição esportiva e no exercício permanente em viver a vida.

Telêmaco Alexsander Martins

Educador Físico

CREF 024956-G/SP