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Despertar Pela Atividade Física Através do Afeto

23.5.2023

Era um menino tímido. Introvertido e muito sensível. Por mais distante que isso possa parecer hoje aos olhos de algumas pessoas continuo exatamente assim.


Cresci em um bairro simples de classe média no que parecia uma área de loteamentos de conjuntos habitacionais. Uma das características desse bairro eram os quarteirões, verdadeiros quadrados com quatro ruas e um terreno entre elas que no futuro viraram praças públicas com quadras e jardins. Mas, antes dessas construções, esse pedaço de terra era basicamente um quintal comunitário para todas as famílias que moravam nesse quarteirão, o que proporcionou uma infância com muitas brincadeiras, jogos e, principalmente, liberdade.


Hoje, resgatando em minha memória, recordo os momentos da minha infância nesse lugar. Jogo de bola, taco, brincadeiras de rua e a presença de tantos amigos com idades diferentes que, de certa forma, eram tutores dos mais novos ensinando as brincadeiras e protegendo o grupo que ali se formava.


Em meio de tantas recordações me lembro de Henrique, um garoto que não morava naquele quarteirão mas estava sempre por ali. Sua mãe trabalhava em uma das casas da rua. Henrique era um pouco mais velho do que eu e meus amigos, não sei ao certo, coisa de 2 anos de diferença. Era um garoto de rua daqueles que fazia muito bem tudo o que a molecada vivia naquela época. Era bom de bola (futebol), nos jogos de rua (taco, mãe da rua, sela, ...) e, principalmente, bom de briga. Isso é uma coisa que conta muito quando se cresce solto assim, vire e mexe alguma confusão e porradaria acontecia e quem era mais habilidoso e corajoso enfrentava melhor.  


É muito interessante recordar isso, porque são lembranças carregadas com a emoção que a experiência proporcionou. Talvez Henrique nem fosse tão casca grossa assim, mas para mim foi a primeira referência fora de casa que tive. Principalmente porque Henrique decidiu, como parte da nossa rotina de brincadeiras na rua, ensinar eu e meus amigos (a molecada mais nova) a lutar. Era uma espécie de treino de artes marciais raiz ao céu aberto. É engraçado imaginar que por volta de 6 a 7 anos de idade tive meu primeiro educador físico que deveria ter entre 9 ou 10 anos.


Foi uma infância especial e divertida. A consciência disso está no sorriso espontâneo toda vez que tenho uma recordação. Interessante também está em perceber o quanto foi importante essa condução em minha vida e como isso definiu um futuro profissional anos depois.


Apesar de minha lembrança relacionar esse episódio como uma brincadeira entre crianças, tentando acessar o estado emocional do garoto que fui, recordo que para mim era treinamento. Seguia a risca as orientações do meu pequeno treinador que incluía corridas pelo terreno, chutes ao ar livre e socos nas tábuas de madeira que fixávamos em pé fazendo um buraco na terra como quem fixa uma coluna. Além disso, seguia uma tarefa em casa que incluía calejar as mãos dando pequenos socos na parede.


Aquele menino franzino que desejava construir a fortaleza de um guerreiro dentro de si ganhava força e bravura a cada treinamento das habilidades de luta.


A brincadeira (que era treino) alimentava as fantasias da minha imaginação infantil. Criava cenários e situações em meio a pontapés e socos, parte do meu repertório de treinamento diário, que contribuía para alimentar o imaginário infantil. Naqueles momentos era um guerreiro solitário que, com sua espada, lutava contra um exército de milhares de soldados.


Não levou muito tempo pra perceber que toda essa experiência, em um período breve, havia me transformado. Não considero uma mudança física aparente, porque isso de fato não aconteceu. A transformação foi na atitude. Aos poucos ganhei a confiança para enfrentar os confrontos sociais que surgiram ao longo da minha vida.


As recordações desses momentos me fazem compreender e perceber alguns aspectos  relacionados à construção do conhecimento além de benefícios que a atividade física e o movimento proporcionam a saúde.


A vivência da infância impregnou em mim a cultura do movimento não somente nesse episódio, mas também em outros tantos. Hoje sou um adulto apaixonado por atividade física, desde suas manifestações através do corpo, com a mecânica gerada pelos gestos, vetores de força, alavancas e efeitos metabólicos. Mas principalmente, a construção do caráter e comportamento.


O fato é que a atividade física me preparou para viver a vida em sociedade.


Telêmaco Martins

(Teco)